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Este microbook é uma resenha crítica da obra: Müdigkeitsgesellschaft
Disponível para: Leitura online, leitura nos nossos aplicativos móveis para iPhone/Android e envio em PDF/EPUB/MOBI para o Amazon Kindle.
ISBN: 978-85-326-5083-2
Editora: Editora Vozes
Para delinear as características centrais de nossa sociedade, Han emprega, como instrumento teórico, uma analogia com os sistemas biológicos.
Essa forma de explanação, embora pareça um tanto hermética em um primeiro momento e exija um pouco mais de atenção do leitor, é bastante precisa para demonstrar o quanto temos nos tornado presas fáceis de uma escala de valores que se fundamenta nas positividades do reconhecimento, eficiência e estímulo social pela superação de nossas próprias limitações.
Cada período histórico possui suas próprias enfermidades fundamentais. Dessa forma, tivemos um período bacteriológico, que findou a partir da descoberta dos antibióticos. A despeito do imenso medo que tempos de pandemias gripais, não vivemos, na atualidade, em um período viral. Graças às técnicas imunológicas, essa época foi deixada para trás.
Desde um ponto de vista patológico, o início do século XXI não pode ser definido como viral nem bacteriológico, mas neuronal. Enfermidades neuronais, tais como a Síndrome de Burnout, o Transtorno de Personalidade Limítrofe, a Síndrome de Hiperatividade, o Transtorno do Déficit de Atenção e a depressão determinam o cenário patológico desse começo de século.
Não se tratam de infecções, mas de enfartos provocados pelo que o autor chama de “excesso de positividade” e não pela negatividade de alguma coisa imunologicamente diversa. Desse modo, eles fogem a quaisquer técnicas imunológicas, cuja função é afastar a negatividade de tudo o que é estranho.
Nos últimos tempos, diversos discursos sociais apareceram para servir como modelos explicativos imunológicos. Contudo, tal atualidade dos discursos imunológicos não deve ser considerada um sinal de que a forma de organização da sociedade contemporânea é mais imunológica do que aquelas que a precederam.
Nesse sentido, Han sustenta que o simples fato de que um determinado paradigma seja desenvolvido como um objeto de reflexão indica o seu declínio. Já há algum tempo – e isso tem ocorrido quase que imperceptivelmente – tem se delineado uma alteração de paradigma.
Nos dias atuais, a sociedade tem entrado em uma constelação totalmente afastada dos esquemas de defesa e de organização imunológicas, caracterizando-se pelo desaparecimento da estranheza e da alteridade (categorias fundamentais da imunologia).
Quaisquer reações imunológicas são uma forma de reagir à alteridade. Porém, hoje em dia, a diferença substitui a alteridade e, assim, nenhuma reação imunológica é provocada.
Para o autor, o próprio aguilhão da estranheza falta, de certo modo, à diferença, o que desencadearia violentas reações imunológicas. A estranheza também é neutralizada em uma fórmula de consumo. Aquilo que é exótico substitui o que era considerado estranho. O turista viaja para o visitar. O consumidor e o turista já não são mais sujeitos imunológicos.
A sociedade disciplinar descrita por Foucault, composta por fábricas, quartéis, presídios, asilos e hospitais, já não é a sociedade dos dias atuais. Em seu lugar, desde há muito tempo, entramos em uma sociedade de outro tipo, qual seja, feita de laboratórios de genética, shoppings centeres, aeroportos, bancos, prédios de escritórios, academias de fitness.
As sociedades do século XXI não são disciplinares, mas baseadas no desempenho, na performance. Seus cidadãos, por sua vez, não mais os chamados “sujeitos da obediência”, mas os sujeitos da produção e do desempenho.
São, em última instância, empresários de si próprios. Nesse sentido, as instituições disciplinares, cujos muros delimitam os espaços do normal e do anormal, tornaram-se claramente arcaicos.
A teoria analítica de Foucault não é capaz de interpretar as modificações topológicas e psíquicas realizadas a partir da conversão da sociedade disciplinar em sociedade do desempenho. O conceito de “sociedade de controle” já não serve mais para explicar essas mudanças, uma vez que ele contém muita negatividade.
O inconsciente social encontra-se habitado pelo desejo de otimizar continuamente a produtividade dos indivíduos. A partir de um determinado ponto, o esquema de proibição e a técnica disciplinar se chocam rapidamente com seus próprios limites.
Para maximizar a produção, a disciplina – como paradigma – é substituída pelo esquema positivo de poder, o que Han conceitualiza sob o termo “paradigma do desempenho”.
Afinal de contas, ao atingir um certo nível elevado de produtividade, a negatividade inerente a qualquer proibição adquire um efeito bloqueador, de modo a impedir um crescimento ainda maior.
Isso significa que a negatividade do dever é bem menos eficiente do que a positividade do poder. Dessa forma, o inconsciente social desse dever trocar o registro para o registro de poder.
Sendo mais produtivo e mais rápido, esse novo sujeito de desempenho supera em muito o seu antecessor, o sujeito de obediência. Vale lembrar, todavia, que o poder não tira a efetividade do dever.
Ao permanecer disciplinado, o sujeito do desempenho carrega consigo o estágio disciplinar. Esse é justamente o imperativo do poder, traduzido na elevação dos níveis de produtividade por meio da técnica disciplinar. No que tange à maximização da produtividade, porém, não há nenhum tipo de ruptura, apenas continuidade.
A excessiva positividade manifesta-se, no seio social, como excesso de impulsos, informações e estímulos, modificando radicalmente a economia e a estrutura da atenção que, assim, se vê destruída e/ou gravemente fragmentada.
Uma técnica especificamente relacionada à atenção e ao tempo se torna necessária graças às crescentes sobrecargas de trabalho, com efeitos nocivos novamente sobre a estrutura da atenção.
A técnica da multitarefa (multitasking) não representa, de forma alguma, um progresso civilizatório. Não se trata de uma competência para qual apenas os homens da “sociedade da informação (ou pós-moderna)” seriam capazes, mas de um mero retrocesso.
Largamente disseminada entre animais que vivem em estado selvagem, a multitarefa é, antes de mais nada, uma técnica indispensável de atenção para os seres que, imersos na “lei do mais forte”, precisam encontrar meios para sobreviver na natureza.
A moderna perda da fé não diz respeito somente ao além e à Deus, mas à realidade em si, tornando a vida das pessoas radicalmente transitória. De fato, nossas vidas nunca foram tão transitórias quanto hoje em dia. Além disso, não é somente a vida humana que se tornou radicalmente transitória, mas o mundo em si.
Nada promete subsistência e duração. Ante essa ausência do Ser, inquietações e nervosismos surgem a todo momento. A noção de pertencimento à raça poderia dar ao animal uma espécie de serenidade animalesca. Entretanto, o eu pós-moderno encontra-se totalmente isolado.
As religiões, por sua vez, tornaram-se obsoletas, à medida que agem como técnicas da morte, produzindo uma sensação de duração e suprimindo o temor da morte. Essa desnarrativização do mundo reforça a ideia de transitoriedade, desnudando a vida.
O trabalho também deve ser encarado, segundo Han, como uma atividade desnuda. Assim, a vida desnuda e o trabalho desnudo condicionam-se mutuamente. Devido à ausência de narrativas sobre a morte, somos coagidos a conservar nossas vidas desnudas incondicionalmente sadias.
O célebre filósofo alemão Friedrich Nietzsche afirmou que a saúde se consolida como uma deusa, assumindo o posto vago pela morte de Deus. Se fosse possível encontrar algo que se elevasse acima das humanas, a saúde, certamente, não deveria ser absolutizada em tais proporções.
Existem duas diferentes formas de potência: a positiva e a negativa. A potência positiva consiste na capacidade de realizar algo. A negativa, contrariamente, é a capacidade de não fazer, isto é, de dizer não.
Todavia, a potência negativa se distingue da simples impotência, ou seja, a incapacidade de realizar alguma coisa. Impotência é, assim, o oposto da potência positiva. Ela é, de certo modo, positiva, à medida que está vinculada a algo.
A positividade é superada, de acordo com o autor, pela potência negativa que, por sua vez, está presa em algo. Trata-se, então, de uma potência do “não-fazer”. Se possuíssemos apenas a potência positiva de notar alguma coisa, nossa percepção estaria exposta, irremediavelmente, a todos os impulsos e estímulos intrusivos e insistentes.
Logo, não poderia existir nenhuma “ação do espírito”. Caso possuíssemos somente a potência do fazer alguma coisa e, a seu lado, não tivéssemos a potência contrária, isto é, a do não-fazer, seríamos vítimas de uma hiperatividade fatal.
Se tivéssemos somente a potência do pensar em alguma coisa nossos pensamentos se dispersariam em uma quantidade infinita de objetos, tornando impossível qualquer reflexão, uma vez que o excesso de positividade – a potência positiva – somente permite o “continuar pensando”.
A despeito de o nosso autor ter claramente se esforçado por se fazer entender, até mesmo pelos leitores menos versados em abstrações filosóficas, consideramos útil ressaltar que o cansaço de extenuação não é o esgotamento da potência positiva.
O cansaço de que nos fala o autor é aquele relacionado à incapacidade crônica de fazer qualquer coisa. Reduzidos à busca contínua por melhor performance, imersos em contextos de ferrenha competitividade, o descanso restaurador e o ócio criativo estão cada vez mais distantes da mulher e do homem contemporâneo.
Se você gostou desse microbook, leia também “O Capital no Século XXI” e entenda um pouco mais sobre a atual organização econômica que gerou a sociedade do cansaço!
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Byung-Chul Han é um teórico cultural da Alemanha, nascido na Coréia do Sul, assim como filósofo e antigo professor da Universidade de Artes de Berlim. Autor de livros como "Agonia do Eros" e "Sociedade d... (Leia mais)
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