Como as Democracias Morrem - Resenha crítica - Steven D. Levitt
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Como as Democracias Morrem - resenha crítica

Como as Democracias Morrem Resenha crítica Inicie seu teste gratuito
Sociedade & Política

Este microbook é uma resenha crítica da obra:  How Democracies Die

Disponível para: Leitura online, leitura nos nossos aplicativos móveis para iPhone/Android e envio em PDF/EPUB/MOBI para o Amazon Kindle.

ISBN: 978-85-378-1805-3

Editora: Zahar

Resenha crítica

Alianças fatídicas

Embora o sistema constitucional e legal dos Estados Unidos sob Trump ainda preserve a democracia, a erosão das normas é alarmante. Trump apresenta as mesmas tendências dos demagogos europeus e latino-americanos que Levitsky e Ziblatt passaram a vida estudando.

E o presidente está fazendo muito do que os demagogos em outros lugares têm feito para minar as instituições democráticas. Até o momento em que a presente obra foi escrita, o Congresso (dominado pela maioria republicana) também adotou uma política muito parecida com o que aconteceu nos países em que líderes demagogos assumiram o poder.

No início do livro, os autores descrevem como “alianças fatídicas” em muitas nações permitiram que aqueles que, na prática, são contrários aos valores democráticos transmitissem ao público a ideia de serem outsiders, isto é, totalmente diferentes dos chamados “políticos tradicionais”.

Todavia, para ganhar respeitabilidade, eles dependem desses mesmos políticos tradicionais para abrirem portas e aplicarem suas agendas. Em muitos casos, os outsiders demonstram um comportamento autoritário, porém, os veteranos da política acreditam que podem mantê-los sob controle e, assim, os apoiam por pura conveniência.

Em vez de impedir a escalada desses potenciais ditadores, as “alianças fatídicas” ajudam a levá-los ao poder: a negligência dos velhos líderes políticos geralmente marca o primeiro passo de um país em direção ao autoritarismo – o que pode ser facilitado quando o país em questão não possui um arcabouço legal adequado para preservar suas instituições.

Nos EUA, figuras autoritárias surgem de tempos em tempos ao longo da história. Henry Ford é um desses extremistas: ele protestou ativamente contra judeus, banqueiros, comunistas e foi impressionante o suficiente para Adolf Hitler dedicar-lhe alguns elogios.

Ford também tinha suas próprias aspirações políticas. Ele quase obteve uma cadeira no Senado em 1918 e entabulou negociações para concorrer à presidência em 1924. No entanto, o status quo partidário da época foi capaz de frear suas ambições.

Huey Long e o padre Charles Coughlin são duas personalidades autocráticas bastante conhecidas da década de 1930. Joseph McCarthy, por sua vez, é o exemplo mais famoso dos anos de 1950. Como Trump, esses líderes jogaram para o populismo, mas, ao contrário do atual presidente, foram impedidos de ascenderem à presidência.

Guardiões da América

Levitsky e Ziblatt acreditam que há duas razões principais que explicam o sucesso de Donald Trump:

  1. a decisão proferida pela Suprema Corte, favorável às posições da Citizen United (poderosa organização não-governamental de tendência conservadora) que tornou praticamente ilimitado o financiamento privado das campanhas eleitorais;
  2. o surgimento de novas mídias.

O segundo ponto inclui tanto a Fox News quanto a aparição de várias celebridades de direita, tanto no rádio quanto na TV, formando o que o jornalista David Frum chamou de “complexo de entretenimento conservador”, além das mídias sociais. Trump foi o beneficiário direto desses fenômenos.

Apesar do movimento “Never Trump” (ou Trump Nunca, em tradução livre) e das advertências de alguns membros do próprio Partido Republicano, a opinião pública durante as eleições permaneceu favorável a Trump, devido, em grande parte, à contribuição de comentaristas como Sean Hannity e Ann Coulter, bem como ao cada vez mais importante portal de notícias Breitbart.

Há quatro indicadores principais do comportamento autoritário que os nossos autores destacam:

  1. rejeição às instituições democráticas ou, pelo menos, um baixo comprometimento com elas;
  2. a negação da legitimidade dos opositores políticos;
  3. a tolerância ou encorajamento à violência;
  4. o desejo ou a disposição de reduzir as liberdades civis.

Mesmo antes de sua eleição, Trump exibia todos esses quatro sinais que, agora, tornaram-se mais evidentes. O Partido Republicano negligenciou sua responsabilidade com a democracia, deixando de assumir uma postura firme e fundamentada em seus princípios contra o então candidato.

Em diversas ocasiões, por pura conveniência, o partido o apoiava apesar de sua inaptidão para o cargo e o claro perigo para a ordem constitucional que muitos de seus membros afirmavam que Trump representava.

Os políticos agiram assim por razões que são comuns em tais circunstâncias:

  • eles pensavam que poderiam controlá-lo (falou-se muito que Trump seria diferente quando assumisse o cargo);
  • houve um “conluio ideológico”. Enquanto, na véspera das eleições, 78 republicanos apoiaram Hillary Clinton, apenas um deles tinha algum mandato político.

A grande abdicação republicana

Assim que chegam ao poder, os demagogos começam a subverter o regime democrático. Isso é feito aos poucos, em pequenos passos. A despeito de não existir um padrão claramente definido, algumas etapas são bastante comuns. Uma delas consiste em “capturar os árbitros”.

Equilíbrios e freios independentes são um empecilho ao acúmulo de poder, de modo que os líderes autoritários tentam trazê-los para o seu lado, a fim de esconder suas medidas de repressão sob uma imagem de respeito às leis.

Assim, o demagogo atua de dentro do sistema para neutralizar os controles independentes e eliminar as vozes contrárias. Algumas coisas são mais fáceis de realizar, como demitir funcionários públicos e não-partidários, substituindo-os por seus próprios asseclas.

Se os tribunais ou a comunidade de inteligência são independentes, tentar enfraquecê-los é uma conduta típica. O objetivo final é atraí-los, embora seja uma excelente maneira de criar um artifício de legitimidade.

Se eles forem cooptados, passam a ser usados como armas para investigar ou processar inimigos políticos e para proteger os aliados e o próprio líder.

Subvertendo a democracia

Outras vozes independentes na sociedade civil também precisam ser silenciadas. A imprensa, por exemplo, pode ser intimidada ao ponto de praticar a autocensura. As ameaças de Trump de aprovar leis contra a difamação de figuras públicas são uma clara tentativa de fazer isso.

Suas conhecidas acusações de que os veículos jornalísticos que se contrapõem à sua administração são “inimigos do povo” e “produzem apenas notícias falsas” representam alguns de seus repetitivos esforços em minar o significado da imprensa livre e de sua independência.

Outro curso típico de ação visa minar os líderes empresariais influentes e não-alinhados, à medida que podem representar uma ameaça à sua perpetuação no poder.

As ameaças de Trump em processar Jeff Bezos, proprietário da Amazon e do jornal Washington Post, por supostamente violar a lei antitruste e a sua tentativa de impedir a fusão entre a Time Warner e a AT & T, evidenciam a disposição autoritária do presidente.

Chefes políticos autoritários também costumar fazer tudo o que podem para silenciar vozes culturais alternativas, como atores, músicos e atletas. De ataques a Susan Sarandon a jogadores da NFL (liga profissional de futebol americano), não faltam exemplos na administração Trump.

As grades de proteção da democracia

O projeto de poder autoritário também almeja mudar as regras do jogo e, até mesmo, a própria Constituição. Alterações podem ocorrer nas mais diversas áreas. De modo geral, no entanto, os autocratas se beneficiam da exploração de crises para justificar suas escaladas ao poder.

Em alguns casos famosos, como no incêndio provocado por Hitler ao Reichstag (Parlamento alemão) ou nas alegações de ataques terroristas chechenos feitas por Putin, há sempre uma impressão, mais ou menos generalizada, de que as crises são provocadas ou, ao menos, extremamente convenientes.

Em ambos os casos citados, o poder autocrático pode ser ampliado à medida que as liberdades civis foram sacrificadas por “motivos de segurança”. Com muita frequência, os líderes conseguem consolidar o poder após essas crises, uma vez que suas popularidades aumentam.

Como as regras do jogo são frequentemente reescritas em tempos de crise, a maioria das pessoas dificilmente percebem as manobras táticas cuidadosamente planejadas e ativadas.

As regras não escritas da política norte-americana

Por mais que as garantias constitucionais sejam importantes, a Carta Magna, sozinha, não garantirá a sobrevivência do regime democrático. Nesse sentido, é fundamental o estabelecimento de fortes normas democráticas, incluindo a tolerância às diferenças partidárias.

Isso significa que é preciso respeitar os opositores políticos, sem considerá-los como inimigos. Nas democracias modernas, isso implica não fazer pleno uso de alguns poderes que podem não ser explicitamente vetados pela constituição, mas garantem a civilidade e o funcionamento de longo prazo do sistema político.

A desintegração

Nossos autores descrevem a desintegração dessas normas em vários regimes nos quais a democracia fracassou e identificam o mesmo padrão presente na política norte-americana: muitas coisas que não são explicitamente proibidas seguem sendo praticadas, ainda que o costume e a tradição ditem o contrário.

Algumas das mais interessantes partes desta obra se dedicam a mostrar como as regras não escritas emergiram e funcionaram na história da política estadunidense, bem como as ameaças às normas democráticas que o país experimentou.

Com o passar do tempo, o controle que emergiu dessas normas foi acompanhada de políticas que excluíam os negros e as mulheres, de modo que os Estados Unidos não podem ser caracterizados como totalmente democráticos durante a maior parte de sua história.

Trump contra as grades de proteção

Todas essas considerações convidam os leitores a refletirem sobre Donald Trump, uma figura verdadeiramente única na política dos EUA, dada à sua peculiar forma de enfraquecer as normas democráticas.

O livro destaca, de maneira útil, exemplos que mostram seu caráter autoritário e suas tentativas de enfraquecer os freios e contrapesos do sistema político e de capturar os guardiões tradicionais daquela democracia. Um fator extremamente preocupante é que sua retórica começa a banalizar certas atitudes e comportamentos profundamente antidemocráticos.

Para os autores, com efeito, nunca um presidente foi capaz de desrespeitar tantas regras não escritas em tão pouco tempo. Onde há uma norma de longa data contra o nepotismo, ele rompe com isso, nomeando sua filha e seu genro para postos-chave de sua administração.

Onde há uma norma de civilidade contra adversários políticos, Trump acaba com ela, ameaçando investigar Hillary Clinton e acusando falsamente Barack Obama de tê-lo espionado durante a sua campanha.

Trump tem mentido em um nível verdadeiramente sem precedentes: de acordo com a PolitiFact (projeto sem fins lucrativos e vencedor do Prêmio Pulitzer – a mais importante premiação jornalística), na eleição de 2016, 69% de suas declarações públicas foram comprovadamente falsas.

O jornal The New York Times detectou que ele fez, pelo menos, uma afirmação falsa por dia em seus primeiros quarenta dias no cargo.

Ao agir assim, Trump enfraquece o poder dos Estados Unidos no concerto das nações. O país já não é mais visto como um modelo de democracia. Afinal, qual é a credibilidade que pode transmitir uma nação cujo presidente ataca diariamente a imprensa, ameaça trancafiar seus opositores e alega não aceitar nenhum resultado eleitoral que não seja a sua própria vitória?

Salvando a democracia

Levitsky e Ziblatt consideram que há duas forças principais responsáveis por essa situação: o extremismo racial e religioso e o crescimento da desigualdade econômica entre as pessoas.

A divisão racial e religiosa alimenta, ainda mais, a polarização política em um contexto no qual os políticos dependem de financiamento empresarial para viabilizar suas campanhas, perdendo o controle de seus próprios partidos.

Os autores sustentam que é necessário uma “democracia multiétnica”, em que os políticos não estejam em dívida permanente com seus financiadores e, assim, respondam somente aos interesses dos eleitores e do povo.

Notas finais

“Como as Democracias Morrem” é uma obra extremamente informativa, sobretudo, quando estamos vivenciando em nosso dia a dia uma polarização profunda o suficiente para dividir familiares e amigos entre “coxinhas” e “mortadelas”. A presente obra, certamente, aporta uma bem-vinda iluminação para entendermos melhor os dias sombrios que teremos pela frente.

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Se você gostou do nosso microbook e deseja saber mais o assunto, acompanhe uma breve explicação do professor Leandro Karnal a respeito da diferença entre os conceitos de “autoridade” e “autoritarismo”.

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Quem escreveu o livro?

Steven David "Steve" Levitt é um economista americano proeminente mais conhecido por seu trabalho sobre a criminalidade, em especial sobre a relação entre as taxas de aborto e crime legalizadas. Vencedor da Medalha Clark John Bates 2003, ele é atualmente o Professor Alvin H. Baum de Economia na Universidade de Chicago, diretor do Centro de Becker em Chicago Preço Teoria da Universidade de Chicago Graduate S... (Leia mais)

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