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Este microbook é uma resenha crítica da obra:
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ISBN: 9789580461517
Editora: Record
Fabiano e sua família, cinco pessoas ao todo, contando com a emblemática cadela Baleia, fazem pouco mais do que se arrastar pela árida caatinga. No dia anterior, a família contava com seis membros, pois havia um pequeno papagaio de estimação.
Uma vez que não mais era possível alimentar o pássaro, a saída foi alimentar-se dele. Dessa forma, Fabiano, seus dois filhos e a esposa, pelo menos, conseguiram mitigar um pouco a fome. O mesmo não pode ser dito de Baleia, a quem foi destinado apenas a cabeça e os ossinhos de seu velho amigo.
Durante a caminhada forçada pelo agreste, Fabiano encontra alguns juazeiros em uma fazenda abandonada, capazes de fornecer alguma sombra para a família descansar. Certamente, seus antigos proprietários também fugiram da seca.
Baleia farejou alguns preás e saiu em seu encalço. Conseguiu abater um e trouxe o roedor nos dentes que, sem mais demora, foi assado por Fabiano. Para a cadela, restaram, novamente, apenas ossos.
Antes de dormir, ao perceber algumas nuvens encobrindo as estrelas, Fabiano se enche de esperança: se vier chuva, todos terão trabalho e ele poderá ser o proprietário daquela fazenda abandonada.
Choveu, de fato. Mas, com a água, surgiu também o proprietário daquela terra e eles foram expulsos. Não por muito tempo, contudo. Como os braços para o trabalho também rareavam, Fabiano foi convidado a atuar como vaqueiro.
Quando saiu a procura de uma cabeça de gado que se perdera, um de seus filhos correu até ele e fez uma pergunta.
Esse comportamento – tão natural em crianças pequenas – o incomodava bastante, uma vez que Fabiano considerava que o conhecimento era algo totalmente inútil, principalmente, para quem tinha uma vida como a dele.
Certa vez, Fabiano foi à cidade para adquirir alguns mantimentos, conforme solicitara sua esposa, Sinhá Vitória. Cansado de andar pela feira, parou em uma birosca para tomar um gole de pinga, quando foi convidado por um soldado amarelo a jogar cartas.
Embora soubesse que gastar o dinheiro das compras em um jogo de azar era algo reprovável, não encontrava as palavras necessárias para declinar do convite do soldado e, pari passu, perdeu tudo o que tinha.
Como já era tarde, resolveu ir embora. O tal soldado amarelo, por algum motivo, tinha cismado com ele e o perseguiu para provocá-lo. Fabiano caiu na provocação, xingou o soldado e acabou preso.
Na cadeia, deu tratos à bola para tentar entender a sucessão de acontecimentos que culminaram com a sua prisão.
Todavia, como não estava acostumado a pensar, não conseguiu encontrar, em seu íntimo, uma conclusão satisfatória, além de culpar sua esposa por ter solicitado que viesse à cidade e seus filhos, por serem um fardo a mais para carregar em um mundo tão injusto.
Sinhá Vitória também estava profundamente insatisfeita com Fabiano, seu marido. Quando eles se arrastavam pela caatinga, lembrava, ele sempre a deixava carregando o baú e o filho mais novo.
Entretanto, duas coisas a incomodavam no presente: o medo de que a seca retornasse e a má qualidade de sua cama, feita com varas. Tudo o que ela queria, era poder adquirir uma cama de couro, como a do vizinho Seu Tomás.
Infelizmente, porém, ao examinar o orçamento doméstico com Fabiano, percebeu que não havia mais por onde economizarem para comprar a tal cama. Afinal, o pouco dinheiro que recebiam mensalmente, mal dava para cobrir as necessidades de alimentação, roupas e querosene.
A saída era vender as galinhas e a porquinha recém-desmamada que possuíam.
O menino mais novo, assistindo o pai lutando com uma égua na tentativa de amansá-la, sentiu um súbito desejo de empreender uma façanha equivalente e, assim, surpreender a cadela Baleia e seu irmão mais velho.
Ele não podia compreender como os demais membros de sua família não se admiravam com os feitos heróicos de seu pai.
A fim de simular o heroísmo paterno, arquitetou um plano, segundo o qual montaria e domaria uma cabra. Ao colocar sua ideia em prática e subir ao lombo do animal, sofreu uma queda humilhante, provocando risos no irmão a quem desejava impressionar.
Com raiva, vingou-se lembrando das cabras abatidas na fazenda e desejando, em seu íntimo, crescer rápido para ser como o pai: um grande matador de cabras e domador de éguas.
O menino mais velho ouviu, em certa ocasião, Sinhá Terta, a benzedeira local, proferir a palavra “inferno”. Considerando a palavra extremamente bela e sonora, passou a se perguntar a respeito de seu real significado.
Dirigiu a pergunta à mãe que, distraída, disse-lhe apenas que se tratava de um lugar muito ruim. Novas perguntas foram ignoradas. Decidiu, então, recorrer ao pai que, no entanto, sequer ofereceu-lhe uma resposta, ainda que sucinta.
Curioso, tentou a mãe novamente. Dessa vez, ela contou que no inferno havia fogueiras e espetos. Em sua inocência, o menino mais velho perguntou se a mãe já havia vislumbrado o inferno. A resposta veio em forma de cascudo.
Correndo para fora de casa, brotou-lhe um sentimento de injustiça associado a dor física da repreensão materna. Não podia acreditar que uma palavra tão bonita encerrasse um sentido tão nefasto.
Durante o inverno, a família desenvolve o hábito de se reunir, todas as noites, em volta do fogo que, embora permanecesse aceso dentro de casa, não fornecia calor suficiente para combater o vento gelado que assomava das frestas das paredes e das portas.
Nesses momentos, os diálogos entabulados entre Fabiano e Sinhá Vitória são caracterizados pela irracionalidade, uma vez que, incapazes de demonstrar afetiva ou, até mesmo, a mínima compreensão pelo ponto de vista do outro, segue ponteado por berros e palavras mal faladas.
Para entreter os filhos e a si mesmo, Fabiano recontava a história de seu aprisionamento, alterando, a cada vez, detalhes importantes e partes inteiras de sua narrativa. Invariavelmente, porém, fazia questão de relatar uma atitude corajosa e vitoriosa ante a brutalidade do maldoso soldado amarelo.
Se, nas primeiras vezes, os filhos demonstram encantamento com a bravura do pai, não demora para que até o mais novo perceba que tudo não passa de invencionices e perca o interesse.
Com a chegada da época natalina, Fabiano decidiu levar sua família à festa na cidade. Sinhá Terta encarregou-se de confeccionar roupas novas a todos e partiram rumo à cidade. Para chegar até lá eram necessárias três longas horas de caminhada.
Ao entrar na cidade, os meninos ficaram boquiabertos com a quantidade de pessoas e a estranheza de nomes, cores, casas, luzes e cheiros existentes no mundo. Fabiano, por sua vez, sentia-se incomodado com a aglomeração dentro da igreja.
Encerrada a missa, os meninos correram às barracas de brincadeiras e Fabiano logo encontrou as barraquinhas de bebidas e de apostas, apesar da recriminação de sua mulher.
Não tardou para que ficasse completamente bêbado e, sob o efeito dos vapores do álcool, liberasse uma valentia indômita, desafiando todos os transeuntes que, felizmente, não lhe deram atenção.
A mãe da família, refletindo sobre todas as privações que passaram até aquele momento e da terrível seca que os obrigaram a perambular sem destino por tanto tempo, chegou à conclusão de que, afinal de contas, a vida não era ruim.
Baleia, a cachorra da família, estava prestes a morrer. Seus pelos começaram a cair, aparecerem manchas escuras em seu corpo e sua pele tornou-se crivada de sangramentos e feridas. Os inchaços em sua boca tornavam difícil se alimentar ou, até mesmo, beber água.
Fabiano e Sinhá Vitória chegaram à conclusão de que a melhor opção seria sacrificar o animal para evitar que continuasse sofrendo. Obviamente, foi uma decisão difícil para toda a família e os meninos ficaram inconsoláveis.
Após preparar sua espingarda, Fabiano deu-lhe o tiro de misericórdia. Em seu último suspiro, Baleia farejou preás e desejou dormir para despertar em um mundo cheio destes deliciosos roedores.
Fabiano não conseguia deixar de se sentir culpado por ter matado Baleia. Era como se tivesse assassinado um membro de sua própria família. Como se não bastasse, passou a discutir cada vez mais com seu patrão.
O dono daquelas terras mantinha Fabiano e sua família em uma condição de endividamento constante. Embora recebesse parcelas referentes aos animais que criava, Fabiano não possuía terra própria e, assim, precisava vender bezerros e cabritos ao patrão, como forma de abater os empréstimos contraídos com ele.
Ao tentar vender carne suína na cidade, um agente do governo tentou cobrar impostos sobre essa atividade. Quando, com a ajuda de Sinhá Vitória, fazia as contas e percebia que seu patrão estava lhe passando para trás, era ameaçado de expulsão.
Sem perspectivas ou maiores esperanças do que seguir vivendo em casa alheia e sob constante ameaça de desemprego, Fabiano entregou-se à melancolia. Sentimento que se agravou pela sequência de noites estreladas – primeiro sinal de retorno da seca.
A seca voltara a se abater sobre a caatinga. Em meio a uma busca por uma égua desgarrada, Fabiano percebe uma estranha presença. Ao se virar, com o facão em punho, ele se depara com o soldado amarelo.
Ali, no meio daquele descampado, o homem que o havia prendido e humilhado encontrava-se sozinho, perdido e desarmado. Fabiano trava uma batalha interna entre o desejo de o matar ali mesmo e o respeito que sentia por todas as figuras do “governo”.
No final, seu instinto pacífico prevaleceu e Fabiano mostrou o caminho ao soldado, deixando-o partir ileso.
A árvore do mulungu, se enchia de aves migratórias que, também, fugiam da seca e do sol escaldante da caatinga rumo ao sul. Elas desciam, aos montes, sobre o bebedouro dos animais, ameaçando secá-lo e deixar o gado morrer de sede.
Fabiano, então, munido da espingarda com a qual matou Baleia – a imagem nunca mais deixaria sua mente – dirigiu-se ao mulungu e passou a atirar nos pássaros, descarregando toda a sua tristeza sobre eles.
Em sua imaginação, Fabiano atribuía a estas aves a responsabilidade pela seca e, com esse estado de espírito, abateu várias delas, levando-as, em seguida, para servirem de alimento à sua família.
A fazenda, cada vez mais seca, assistia a morte de seus animais. Fabiano e sua família se preparavam para uma nova retirada. A lembrança de Baleia e a ideia de que, dessa vez, ela não os acompanharia, fez Sinhá Vitória chorar.
Dessa vez, ela afirmava, estava decidida a morar em um local fixo, uma cidade na qual os seus filhos possam frequentar a escola e ter um destino melhor que o de seus pais.
Essa noção era incômoda a Fabiano, que não se via capaz de fazer outra coisa que cuidar de bois – futuro que pensava estar reservado também para os seus meninos. A insistência da mulher, porém, o venceu: caminhariam até o sul e viveriam em uma terra civilizada.
Um dos fatores mais destacados de “Vidas Secas” nos vestibulares consiste na apresentação dos protagonistas como deficientes em sua capacidade de expressão verbal e analfabetismo.
A questão da fala é verdadeiramente axiomática neste romance, na medida em que relaciona a incapacidade de pensar abstratamente com a capacidade de tomar decisões, fragilizando ainda mais os retirantes em um contexto social marcado pela exclusão de largas camadas populares.
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