Mulheres, raça e classe - Resenha crítica - Angela Davis
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Mulheres, raça e classe - resenha crítica

Mulheres, raça e classe Resenha crítica Inicie seu teste gratuito
Sociedade & Política

Este microbook é uma resenha crítica da obra: Women, race & class

Disponível para: Leitura online, leitura nos nossos aplicativos móveis para iPhone/Android e envio em PDF/EPUB/MOBI para o Amazon Kindle.

ISBN: 978-85-7559-508-4

Editora: Boitempo

Resenha crítica

A amplitude da abordagem

A presente obra fornece aos leitores um excelente material para reflexão e análise. Por consequência, é imprescindível para a constituição de projetos políticos comprometidos com a transformação revolucionária, conduzindo a sociedade para uma situação de liberdade perante quaisquer tipos de opressões.

Em conclusão, a vinculação estabelecida por Davis entre os elementos ideológicos, políticos e econômicos dos métodos de produção capitalista e escravista, permite vislumbrar as formas pelas quais as distintas opressões se articulam para sustentar uma dominação de classes ainda vigente.

Do mesmo modo, a autora parte de contextos históricos para demonstrar como essas opressões criam, recorrentemente, estratégias de exploração, práticas de coerção e políticas de suporte ao controle e à dominação dos cidadãos.

Logo depois, Davis evidencia como essas dinâmicas interferem dialeticamente nos mais diversos movimentos luta e resistência, como o abolicionista, o antiescravagista, o sufragista, o feminista, o sindical, dentre outros.

A crueldade do sistema escravocrata

Logo que inicia seu relato, a autora traça um percurso histórico que resgata as fundações do sistema escravocrata, no qual os homens e as mulheres negras eram tratados como meras coisas, sendo vistos somente como unidades lucrativas de trabalho e não como seres humanos.

Afinal, nesse modo de produção, as populações negras, definidas como propriedades particulares, foram submetidas a formas extremamente violentas de coerção, controle e domínio.

Assim também, o sistema era fortemente marcado pela desumanização cotidiana dos escravizados. Isso era materializado em atos diários de chicotadas, espancamentos, estupros, torturas etc.

A despeito da insanidade e crueldade do sistema escravocrata e do marcado processo de dominação dos povos negros, sempre houve inúmeras estratégias de luta e resistência, materializadas em sabotagens, fugas e revoltas.

A reconfiguração da mulher no mundo do trabalho

A nossa autora discute, magistralmente, de quais formas a abolição da escravidão e a ascensão do assim chamado “trabalho livre”, provocou uma reconfiguração nos diferentes modos de opressão (de raça, sexo e classe).

Em primeiro lugar, essa reconfiguração visa consolidar e legitimar a dominação da classe burguesa, a partir da atribuição de determinadas ideologias, trabalhos e tarefas aos grupos oprimidos.

Ao passo que, às mulheres negras do período pós-abolição, foram destinadas tarefas domésticas e o trabalho na agricultura, elas estavam sujeitas a condições de extrema exploração, perpetuando práticas violentas (o abuso sexual de patrões é, embora brutal, apenas mais um exemplo).

Pelo contrário, as mulheres brancas e pobres foram destinadas ao extenuante trabalho nas fábricas. Em primeiro lugar nesse “ranking da injustiça”, as mulheres da burguesia foram relegadas à “nobre missão” de serem “boas esposas, mães e donas de casa”.

O mito da feminilidade

De acordo com Davis, a ascensão de um culto à feminilidade e à maternidade no século XIX é uma espécie de subproduto da industrialização. No entanto, tal culto tem servido para legitimar a separação produzida pelo capitalismo industrial.

Sob o mesmo ponto de vista, a dissociação entre economia pública e economia doméstica enfatiza o papel da mulher como mãe, protetora e dona de casa. Conforme essa ideologia se enraíza na sociedade, as mulheres ficam, cada vez mais, circunscritas aos espaços domésticos, doravante definidos como “não-produtivos”.

Com efeito, a autora, além de ensejar uma discussão, desde a perspectiva capitalista, das funcionalidades dessa ideologia, ressalta o seu caráter profundamente racista e classista.

Primordialmente, o conceito de “mulher” disseminado pelo mito de feminilidade não incluía as mulheres escravizadas no passado que, para os seus proprietários, não eram vistas, propriamente, como “mães”.

Nesse sentido, para a classe dominante de então, as mulheres negras eram apenas reprodutoras. Antes de mais nada, as trabalhadoras brancas que, por sua vez, eram superexploradas nas fábricas jamais se encaixavam bem no modelo burguês da “dona de casa”.

A apropriação capitalista das opressões precedentes

Precipuamente, ao demonstrar como as ideologias são caracterizadas por distinções inerentes às sociedades de classes, a autora discute como as opressões precedentes são ressignificadas de forma a legitimar a dominação tipicamente capitalista.

Seja como for, um dos pontos fundamentais da obra é, justamente, o estabelecimento de nexos causais entre racismo, sexismo e capitalismo. Todavia, essa abordagem desnuda uma história que, longe de ser linear, é plena de contradições, entre as diversas lutas e movimentos da classe trabalhadora, dos negros e das mulheres.

O “desvirtuamento” do movimento feminista

Nesse ínterim, Davis acentua, em cada período analisado, as respectivas configurações ideológicas, políticas e econômicas, nas quais sobressaem prioridades e interesses distintos.

Mas, a sua narrativa consegue revelar como, em nossa sociedade altamente hierarquizada, as demandas políticas “femininas” configura-se de tal forma que acaba por defender interesses particulares, de um determinado grupo ou classe social.

A influência do racismo no sufrágio feminino

Com o intuito de propiciar análises históricas consistentes, a autora discute, a um só tempo, tanto a profunda vinculação ideológica entre supremacia masculina, viés de classe e racismo, quanto o racismo existente no âmago do movimento feminino sufragista.

Certamente, os fartos relatos históricos apresentados demonstram que as disputas políticas pelo direito de votar das mulheres – eixo do movimento sufragista – representou, em certos contextos, a exclusão dos interesses das mulheres negras. Em contrapartida, o argumento sustentado pelas militantes da época era o de que essa defesa comprometeria a vitória do voto feminino.

Porquanto tal argumento de conveniência assinale uma alteração importante na correlação de forças dentro do próprio movimento feminista, este tende a se afastar, paulatinamente, das causas antiescravistas que, anteriormente, havia sido entusiasticamente abraçado.

Enfim, a nossa autora não omite como a Associação Nacional pelo Sufrágio das Mulheres Americanas (NAWSA, na sigla inglesa) reproduzia a ideologia da maternidade, adotando a posição dos supremacistas raciais, a fim de negar o direito ao voto das mulheres negras.

O movimento associativo

Enquanto, conforme mencionado, a história evocada pela autora não é única e linear, mas cheia de contradições, há vários exemplos de alianças sinceras e solidárias entre mulheres burguesas, trabalhadoras, brancas e negras, que estiveram, em diferentes contextos, unidas fortemente, por exemplo, em defesa do direito à educação para o povo negro.

Davis utiliza como um marcante exemplo dessa disposição à solidariedade, o engajamento política de algumas mulheres, tais como Prudence Candall e Myrtilla Miner que, embora brancas, sacrificaram as próprias vidas na tentativa de transmitir os seus conhecimentos às jovens mulheres negras.

A solidariedade e a união entre brancas e negras ratificaram uma das mais férteis promessas da história, indicando, segundo Davis, que a sororidade feminina sempre foi, de fato, possível, desde que construída sobre uma sólida base de realizações transformadoras.

O mito do “estuprador negro” e a luta contra os linchamentos públicos

A menos que se deseje esconder a história trágica da segregação racial, é imprescindível relembrar como os movimentos antilinchamento e antiestupro de negros foram bastante enfraquecidos pelas ideologias racistas, como os mitos que representam os homens negros como potenciais estupradores e as mulheres negras como inerentemente promíscuas.

Primeiramente, tais mitos, por operarem imprimindo marcas de bestialidade e animalidade na população negra, incitam agressões racistas e são úteis à superexploração capitalista.

A saber, no interior do movimento feminista, existiram militantes que se deixaram levar pela armadilha dessas ideologias racistas. Com o fim de combater essa perniciosidade no seio do movimento, destaca-se Shulamith Firestone, feminista radical que sofreu duras oposições, hostilidades e ameaças de morte pela cruzada que empenhou contra os linchamentos públicos da população negra.

O “dever” da maternidade

Principalmente, o maior compromisso de Davis encontra-se em evidenciar contradições históricas e os diversos modos de se relacionar com as separações  que constituem o sistema.

Por conseguinte, a autora denuncia as práticas racistas e eugenistas que impuseram a importantes parcelas da população negra e pobre norte-americana (em especial, as mulheres de origem indígena, mexicana, africana e porto-riquenha) uma esterilização compulsória.

Decerto, nossa autora busca compreender, partindo dessa realidade histórica, um recorte importante ocorrido nas lutas das mulheres pelos seus direitos reprodutivos. Por analogia, Davis observa, reiteradamente, como o viés racista e classista se infiltraram nos movimentos pelo controle de natalidade.

Contudo, isso distanciou as feministas que lutavam em prol da “maternidade voluntária”, tida como um caminho a ser percorrido para o acesso à carreira profissional.

Só que, a classe trabalhadora empobrecida, altamente engajada nas lutas pela sobrevivência econômica, encontrava-se submetida a um “dever”: reduzir o tamanho de suas famílias.

Notas finais

Cumpre ressaltar, por fim, que Angela Davis, militante, marxista, feminista e negra, por meio de análises teóricas consistentes e críticas das múltiplas contradições expressas na sociedade de classes, aponta para uma política verdadeiramente radical e feminista.

Em virtude de seguir esses princípios norteadores, a atuação das mulheres, segundo a autora, deve ser a de lutar incansavelmente contra todas as formas de opressão e divisionismo, que desviem a luta contra o racismo, o sexismo e o capitalismo de seu caráter revolucionário.

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Quem escreveu o livro?

Angela Davis é filósofa e professora socialista, tendo atingido uma notoriedade de alcance mundial ao atuar, durante os an... (Leia mais)

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