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Este microbook é uma resenha crítica da obra: Ideias Para Adiar O Fim do Mundo
Disponível para: Leitura online, leitura nos nossos aplicativos móveis para iPhone/Android e envio em PDF/EPUB/MOBI para o Amazon Kindle.
ISBN: 978-85-5451-420-4
Editora: Companhia das Letras
Existem inúmeras tentativas de povos que sobreviveram, contando histórias, cantando, viajando, conversando e nos ensinando mais do que é possível aprender nessa humanidade. Não somos os únicos indivíduos interessantes do mundo, apenas fazemos parte do todo.
Compreender essa simples verdade pode, talvez, reduzir um pouco da vaidade dessa pretensa humanidade que consideramos ser, diminuindo a falta de respeito que demonstramos com as demais companhias que realizam essa viagem cósmica ao nosso lado.
Krenak relata que, quando os indígenas brasileiros estavam na iminência de serem assaltados, em 2018, por uma nova situação, lhe perguntaram: “Como os povos indígenas agirão diante disso tudo”. Ele respondeu: “Há 500 anos os índios têm resistido, o que me preocupa são os brancos e o que farão para escapar dessa”.
Os índios resistiram expandindo sua subjetividade, não aceitando a ideia que somos todos iguais. Existem, ainda, 250 etnias que desejam se diferenciar umas das outras em nosso país. Elas falam mais de 150 dialetos e línguas.
O antropólogo Eduardo de Castro aprecia provocar as pessoas com o que o autor chama de “perspectivismo amazônico”, atraindo a atenção para o fato de que os seres humanos não representam os únicos seres que possuem uma perspectiva acerca da existência e são interessantes.
Danças, cantar e vivenciar a mágica experiência de suspender os céus é algo comum em várias tradições. Isso significa ampliar nossos horizontes; não os horizontes prospectivos, mas os existenciais! Trata-se, portanto, de enriquecer nossas subjetividades, que é, justamente, o elemento que o tempo presente deseja suprimir.
Se há uma ânsia pelo consumo da natureza, há também uma pelo consumo de subjetividades, quais sejam, as subjetividades indígenas. Portanto, a proposta de Krenak consiste em vivê-las com a toda a liberdade de inventar, em vez de colocá-la à serviço do mercado.
Uma vez que natureza está sendo violada de um modo tão indefensável, os povos indígenas devem, segundo o autor, serem capazes de manter suas poéticas e suas visões sobre a existência. Não somos, definitivamente, iguais. Com efeito, é maravilhoso ter a consciência de que cada um é diferente do outro, assim como as constelações.
O mero fato de compartilharmos esses espaços, de estarmos juntos na viagem da vida não implica em igualdade. Significa, precisamente, que podemos nos atrair por nossas diferenças. São elas que deviam guiar os roteiros de nossas vidas.
Por outro lado, o que tivemos, até hoje, foram somente formas de homogeneizar a todos e retirar a nossa alegria de estarmos vivos.
No âmago da história brasileira encontra-se a ideia de que os indígenas deveriam contribuir para um projeto que visa a exaustão da natureza. Nesse ponto, o autor ressalta que o Brasil continua incapaz de acolher devidamente os habitantes originais. Desde os primeiros contatos, o Estado sempre recorreu a práticas desumanas e promotoras de alterações radicais nas formas de vida de populações inteiras.
O estilo de vida dos povos indígenas, contudo, manteve-se ao longo do tempo, ainda que sob um feroz ataque das forças coloniais. Essa luta intestina assenta raízes, até os dias atuais, na mentalidade de muitos cidadãos brasileiros.
O rio Watu (ou “rio doce”) sustentou a vida dos indígenas às suas margens, entre os estados do Espírito Santo e de Minas Gerais, por cerca de 600 km. Hoje, este rio está inteiramente coberto por materiais tóxicos que desceram de uma barragem que deveria, em tese, conter tais resíduos. Os índios ficaram, então, órfãos, pois, acompanham o rio em seu coma.
Há quase 2 anos esse crime, que jamais pode ser considerado um “acidente”, atingiu radicalmente as vidas dos índios, colocando-os na condição real de um mundo que chegou ao seu fim.
Dessa forma, o mais importante é abordar os impactos que nós, seres humanos, causamos no organismo vivo que chamados de “Terra”. O planeta, para muitas culturas, continua sendo reconhecido como a nossa mãe provedora, nos mais amplos sentidos: tanto na dimensão de manutenção e subsistência quanto na acepção transcendente que confere sentido à nossa existência.
Nos mais distintos locais do mundo, nos afastamos tão decisivamente dos locais de origem, que o trânsito de povos não é, sequer, percebido. Afinal, atravessamos continentes como quem vai até a esquina de sua casa.
O desenvolvimento de tecnologias inovadoras nos possibilita empreender viagens distantes, por meio de comodidades que facilitam nosso deslocamento pelo planeta traz, consigo, uma perda terrível de sentido de nossas movimentações.
O fim de todo o mundo talvez seja apenas uma interrupção breve de uma condição de extasiante prazer que nós não queremos perder. Temos a impressão de que todos os esforços que foram realizados pelos ancestrais e pelos atuais indígenas se relaciona, de algum modo, com essa sensação.
Ao transferir isso para os objetos, para coisas exteriores, para a mercadoria, essa energia é materializada nos desenvolvimentos da técnica, nos aparatos que foram se sobrepondo ao corpo de nossa mãe Terra. Todos os relatos antigos nomeiam a Terra como Gaia, Pacha Mama, Mãe. Uma deusa infindável e perfeita, fluxo de beleza, fartura e graça.
Por exemplo, a imagem helênica que retrata a deusa da prosperidade e que possui uma cornucópia jorrando, continuamente, jorrando riquezas sobre o mundo. Em outras tradições, na Índia e na China, nas Américas, enfim, em todas as diferentes culturas antigas, as referências indicam uma provedora maternal.
Sempre que a imagem de um pai irrompe nessa paisagem, ela serve para dominar, detonar e depredar. O desconforto gerado pelas movimentações, tecnologias e ciências modernas resultaram nas chamadas “revoluções de massa”. Tais fenômenos não se concentraram em uma única região, mas atravessou todo o globo terrestre ao longo do século XX.
Krenak refere-se, aqui, a eventos do tipo “Guerra Fria”, no qual tínhamos, uma parte da humanidade de cada lado de um muro. Cada qual pronta para, em meio a profundas tensões, puxar o gatilho contra a outra.
Não existe um fim do mundo que seja mais iminente do que nas ocasiões em que a humanidade inteira se encontra em tamanha divisão. Isso é uma grande queda, um abismo. Então, a pergunta que deveríamos fazer é: “Por que há tanto medo de um abismo se não fizemos nada diferente, em outras eras, a não ser procurar cair nele?”.
Na verdade, já caímos, em distintos locais do mundo e em diferentes escalas. Porém, tememos profundamente o que acontecerá quando nós também cairmos. Sentimos uma paranoia, uma insegura dessa queda, pois, as demais possibilidades abertas demandam a implosão desse lar que herdamos, no qual carregamos, confortavelmente, mas passamos todo o tempo morrendo de medo.
Portanto, talvez tenhamos que descobrir um novo tipo de paraquedas. Não impedir a queda, mas criar e fabricar milhões de paraquedas divertidos, coloridos e, inclusive, prazerosos. Afinal de contas, o que realmente queremos é viver em prazer e nos divertir aqui na Terra.
Logo, devemos parar de despistar nossa vocação natural, em vez de permanecer inventando parábolas que, no limite, nos impede de chegar ao principal e nos ilude com os aparatos técnicos. A ciência inteira, na verdade, é dominada pela técnica, isto é, a necessidade irracional de fazer novas coisas e consumir mais e mais.
Cumpre ressaltar, por fim, que a intenção de Krenak não é liberar de responsabilidades as máquinas que moveram as conquistas coloniais, mas chamar a atenção para o desastre provocado por esse passado de conquistas, invasões e genocídios em massa. O desastre ambiental, cultural e social que estamos vivenciando é uma de umas consequências mais diretas.
Muitos estão interpretando o nosso mundo atual como uma espécie de desgoverno, perda de qualidade no dia a dia ou caos social. Seja como for, o fato irrevogável é que estamos todos lançados nesse mesmo abismo. A diferença é que o “fim do mundo”, agora, não está chegando apenas para os povos originários.
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Ailton Krenak é um dos mais importantes líderes indígenas do Brasil,... (Leia mais)
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