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Este microbook é uma resenha crítica da obra:
Disponível para: Leitura online, leitura nos nossos aplicativos móveis para iPhone/Android e envio em PDF/EPUB/MOBI para o Amazon Kindle.
ISBN: 8542207513, 978-8542207514
Editora: Planeta
O primeiro indício de que o autor deveria se enveredar para os caminhos da filosofia se deu quando ele ainda era um estudante de Medicina. Lá, ele perguntou a um professor como os pacientes viam o fato de que estavam indo em direção ao nada. O professor fez silêncio por alguns instantes e disse: “O senhor está na aula errada, deveria estar na aula de filosofia”. Ele levou alguns anos até perceber que o professor tinha razão. Ainda assim, os anos na medicina não foram perdidos, pois formaram um longo trajeto passando pelo teatro e psicanálise até chegar ao patamar ideal.
A filosofia em sua própria língua ou em primeira pessoa é uma ideia de Friedrich Nietzsche, que viveu no século XIX. Trata-se da capacidade de falar das coisas a partir de si mesmo e da coragem que isso demanda. O mais fácil é passar a vida falando na língua dos outros. Falar na sua própria língua, para Nietzsche, era assumir sua filosofia trágica, era se reconhecer como um filósofo trágico grego em plena Alemanha do século XIX. Era reconhecer, como os trágicos gregos, que a vida não tem nenhum sentido maior além de enfrentar o conflito que ela é, e, quem sabe, ser lembrado pela coragem e disposição a se elevar acima do banal. E a partir daí falar do mundo e para o mundo. Isso é filosofar com o martelo, como dizia nosso romântico. Muitas vezes, em filosofia, assumir a própria língua é se reconhecer numa determinada concepção de mundo e assumir seu lugar particular nela. Não se trata de reinventar a roda, mas dizer livremente o que se quer dizer para seus semelhantes acerca do mundo, sempre a partir da tradição de pensamento à qual um pensador se filia. E para fazer isso é essencial que se tenha algum repertório filosófico. E coragem para falar em primeira pessoa.
A forma mais fácil de descrever esse sentimento é lembrarmos quando nos sentimos um mero número numa cadeia produtiva, ou quando nos sentimos uma peça genérica nessa mesma cadeia. Já sentiu isso? Se não, é porque você é um daqueles privilegiados que trabalham, a maior parte do tempo, em algo criativo e que faz sentido para você. A maioria só ganha dinheiro para sobreviver. Ganhar dinheiro também pode ser uma atividade criativa, mas não é esse o caso para a maioria das pessoas. O mundo moderno burguês em que vivemos é um lugar pautado pela lógica da eficácia em que todo mundo é medido pelo seu valor “instrumental”, ou dito de outra forma, pelo seu valor “de uso”. Você vale pelo que faz funcionar neste mundo. Idosos hoje não valem nada, apesar de dizerem o contrário. Ficam brincando com computadores e Facebook para parecer parte deste mundo. Claro, os idosos com grana têm seu lugar na cadeia de consumidores de bens de valor. Antes, quando os idosos eram raros, valiam mais; hoje, que são muitos, seu valor está inflacionado, além do fato de que, com o avanço das tecnologias de informação, que eles desconhecem em grande parte, os idosos deixaram de narrar a vida. Narrar a vida significa ajudar os mais jovens a compreender a vida deles a partir da experiência acumulada das gerações. Mas hoje geração é coisa da publicidade e suas letras: X, Y e Z. O resultado é que os idosos, na melhor das hipóteses, acabaram virando um “mercado de serviços para idosos”, e estão à margem da sociedade produtiva. Sorte de quem ganha com isso.
O que é um coro particular de demônios? É uma metáfora para falar de certas coisas que nos atormentam há milênios e a cada dia de nosso cotidiano. A filosofia, em sua origem grega, surge para “concorrer” com as religiões e seus mitos na tentativa de responder a esse coro de demônios. Religiões e mitos existem, entre outras coisas, para explicar esse coro de demônios. Eles ecoam as principais perguntas a seguir.
Ninguém tem a mínima ideia. Os mais religiosos e metafísicos, que acreditam em um mundo além da matéria entendem que Deus ou algo similar sustenta tudo o que existe, e, portanto, tem uma resposta. Para essas pessoas, estamos aqui porque esses seres superiores e divinos têm alguma forma de plano ou projeto para nós e para o mundo. Claro, nós que estamos presos nesse cotidiano, às vezes, infernal, temos dificuldade de entender qual seria esse plano maravilhoso, mas aqueles que têm fé entendem que tudo dará certo no final.
Não há como ter certeza. O tema, para alguns, é de vida ou morte. Afora a ironia, essa é uma questão que atormenta muitos porque para eles, se não existir vida após a morte, não há por que respeitar a moral, uma vez que morreu, acabou. Logo, tudo é permitido. Por outro lado, se existir vida após a morte, pensam eles, podemos ser julgados por Deus ou reencarnar numa situação muito ruim, por causa das maldades que fizemos nesta vida. Normalmente, quem crê em vida após a morte o faz como forma de alívio da angústia da aniquilação absoluta que a morte parece significar.
Decorrente da questão levantada acima, podemos levantar esta: se Deus não existe, tudo é permitido? Essa pergunta famosa foi feita pelo personagem Ivan Karamázov, no romance Os irmãos Karamázov, de Fiódor Dostoiévski, no século XIX. Essa questão decorre da anterior porque a inexistência de Deus supõe que, uma vez tendo escapado da lei dos homens, uma pessoa estará segura de que não enfrentará nenhum outro juiz absoluto no pós-morte. Por isso, a imortalidade da alma associada à existência de Deus nos levaria à sustentação de um julgamento moral eterno.
A pergunta é controversa. Antes de tudo, porque não dá para ter certeza de fato. Não há como colocar a humanidade num laboratório de análise de comportamento. Não dá para fazer isso com um só homem, quanto mais com a humanidade.
Essa pergunta é baseada na afirmação do dramaturgo e jornalista Nelson Rodrigues: “Dinheiro compra tudo, até amor verdadeiro”. Experimente fazer essa pergunta num jantar com seus amigos psicanalistas, jornalistas e arquitetos, todos muito inteligentes. O grau de hipocrisia deles será proporcional ao modo enfático como negarão essa máxima rodriguiana. Nelson Rodrigues é um dos pensadores brasileiros mais consistentes e verdadeiros. Gente inteligente e bem resolvida costuma torcer o bico para essa pergunta, demonstrando que é movida a valores superiores à grana. Nunca confie em gente que afirma ser guiada por valores maiores que o dinheiro. Quem diz que faz as coisas por algo maior do que grana é quem pensa só na grana, pode apostar. Nunca confie na bondade dos bons. Dizer que dinheiro compra até amor verdadeiro quer dizer que as condições materiais de uma determinada situação podem gerar certos afetos profundos numa pessoa. O exemplo dado pelo autor é: um fim de semana na Toscana ou na Praia Grande? Se você disser que tanto faz, mando você para aquele jantar inteligente com psicanalistas, jornalistas e arquitetos mentirosos. O medo de pensar nisso é temer que serei “materialista demais” e confessar que tenho um preço. Todo mundo tem um preço, menos os que não valem nada
Falar da democracia é difícil porque ela é o grande dogma contemporâneo. Criticá-la parece dizer que você é do mal. Bobagem. A democracia, entre os piores regimes, é o menos pior. Em mil anos, a democracia terá passado como um vento, e nossa fé nela também. Verão nossa fé na democracia como a fé dos antigos em seus reis como deuses. A democracia tem a vantagem de funcionar a partir da teoria do poder limitado, que, em si, é muito mais importante do que a ideia do voto individual. Esse poder limitado é importante na democracia moderna e se caracteriza pela ideia liberal de que nenhum soberano o é plenamente. Todo mundo adora a coisa do voto individual. A resposta é: sim, a democracia é um sistema que joga sobre nós grandes quantidades de idiotas que decidem por nós. Numa democracia nunca venceremos a maioria, de idiotas.
Esta questão está próxima daquela outra sobre dinheiro comprar ou não amor verdadeiro. Esta, porém, toca mais as meninas. A resposta para ela é: não, as meninas não gostam de homens fracos e pobres. “Fracos e pobres”, aqui, devem ser compreendidos num sentido maior que apenas um papo sobre dinheiro e força física, apesar de dinheiro e força física significarem muita coisa.
Será? Pondé tende a achar que não. E não quer soar niilista. Se este pequeno manual não fosse escrito para os bravos, diria que sim, a honestidade paga bem na vida. Mas talvez a honestidade não leve você a lugar nenhum. Sem dúvida, precisamos acreditar em algumas virtudes, do contrário a vida pode se tornar um inferno maior do que já é.
A pergunta parece absurda, mas é muito contemporânea. O número de crianças cai no mundo rico e o número de cachorros sobe. No Brasil, país em que as mulheres ainda não atingiram a infertilidade dos países mais ricos, já temos mais cachorros do que crianças nas famílias.
Essa é fácil de responder: não. Quem diz o contrário é mentiroso ou ignorante. Mentir, só sobre coisas essenciais de vida ou morte. Confessar que o conhecimento não faz de você uma pessoa melhor é um atestado de repertório e de confiança no próprio conhecimento.
Você é religioso? Se for, o é por alguma carência séria em você, diriam Freud, Marx e Nietzsche. De certa forma, somos todos carentes porque somos mortais, limitados, assustados e frágeis psicológica e fisicamente. A carência à qual se referem os homens de conhecimento citados acima é, antes de tudo, uma carência cognitiva, carência de conhecimento. Diante da agonia da finitude e do fracasso iminente da vida que acometem a todos em algum momento, o religioso seria aquele que “não segura a onda” e busca socorro. Essa ideia de que ser religioso implica alguma forma de carência cognitiva é comum entre pessoas que se julgam mais cultas. Há muita gente que não acredita em Deus, mas em bobagens como alimentação balanceada, espíritos indígenas, ciência, história, política ou em si mesmas. Pondé julga a crença em si mesmo a mais brega e ridícula de todas.
Ceticismo é um modo de ver o mundo nascido na Grécia antiga que ensina você a duvidar de tudo. A palavra vem do verbo grego skopein e significa observar, ver com atenção. Um cético pode ser muitas vezes um pentelho, sobretudo se “acreditar no ceticismo” como última resposta a tudo. Afora esses chatos, o ceticismo é, sim, uma prática muito importante na filosofia e na vida cotidiana, porque pode ajudar você a escapar de muitos picaretas, espirituais, políticos, afetivos e comerciais. Em alguns assuntos, a dúvida parece se sustentar com facilidade, e um deles é o campo desses picaretas do espírito. São gente que diz que pode salvar você de alguma coisa, mas quando fica doente vai ao médico e diz que o guia espiritual avisou a ele que agora era para valer. Em geral, pedem dinheiro para você de forma melosa ou dizem que uma grande ameaça ronda você.
A palavra metafísica tem pedigree na filosofia, seja para defendê-la, seja para atacá-la. A ideia de metafísica nasce com Platão com seu “mundo das ideias perfeitas e imateriais” a partir das quais nosso mundo da matéria teria sido feito como uma cópia imperfeita e corruptível. Para Platão, as imperfeições do mundo e da vida seriam fruto de incompetência do demiurgo, um deus que inventou este mundo copiando as ideias eternas e plenas do mundo das ideias. A consequência, ainda que ele nunca tenha usado a palavra metafísica em sua obra, pois quem usou foi Aristóteles, foi fundar todo um campo de reflexão acerca do imaterial, invisível e eterno, coisa que judeus, cristãos e muçulmanos adoraram quando leram, porque viram nesse mundo a “cabeça de Deus”, ou, no mínimo, sua casa.
Ainda estamos no terreno da religião e da metafísica quando falamos de sobrenatural. A palavra não tem o mesmo pedigree como tem metafísica, porque quando pensamos em sobrenatural, pensamos em filme de terror ou almas penadas à noite na casa da fazenda. Mas ela também tem uma origem digna na filosofia, e essa origem tem a ver com a ideia do que seria além ou acima da natureza ou do natural no homem e no mundo, o que se confunde com a ideia de ação de Deus no mundo. Podemos dizer que a palavra tem um significado na filosofia e outro nas religiões, sendo o primeiro mais ligado à ação de Deus no comportamento humano por meio da graça divina e o segundo mais ligado a crenças espíritas que associam o sobrenatural a manifestações de espíritos desencarnados no mundo dos homens.
Se você apostasse que Deus existe, e vivesse seus poucos anos aqui levando em conta a vontade de Deus, e tivesse uma vida “sem graça porque santinha”, e Deus não existisse, você não realizaria a perda, porque morreria e sua alma deixaria de existir; logo, você não tomaria consciência de que fez uma aposta errada. Se você apostasse na existência de Deus e Ele existisse, aí você seria recompensado com uma eternidade de leite e mel, bem ao contrário daquele descrente que não quis se limitar nesta vida, mas acabou por amargar uma eternidade de sofrimento. O erro na aposta da Sua existência seria muito mais terrível do que o erro na aposta da Sua inexistência. A perda, aqui, seria muito maior que uma vida sem graça e santinha em nome de um Deus inexistente, uma vez que sua alma acabaria com o corpo e não tomaria consciência de sua aposta errada. A fé não é fruto de uma causa racional. Não chegamos à fé pelo uso da razão e seus argumentos. Assim, de nada adianta o uso da razão em assuntos da fé. Você pode ver pessoas brilhantes que têm fé e estúpidos que se acham o máximo porque não creem em Deus.
Pondé não acredita. Para ele, a fé em que o homem seja um ser racional é uma bobagem recente. Qualquer hegeliano ou marxista de plantão diria que só com a emergência do mundo moderno burguês, que precisa de uma sociedade racionalizada em seus processos para que o dinheiro circule com segurança de retorno ainda maior, é que o homem começou a querer se ver como um ser plenamente racional. A ideia de que o homem é um ser racional vai bem com a ideia, necessária no mundo burguês, de que ele é autônomo. Mas tanto a racionalidade quanto a autonomia são uma pequena parte da vida humana, ainda que não devamos buscar mais racionalidade e mais autonomia da vida. Kant estava certo em defender a noção de “maioridade” como sendo a capacidade humana de assumir suas decisões a partir de um esforço de autonomia e racionalidade. Nem sempre isso é possível.
Essa palavra significa duas coisas em filosofia. A primeira, e mais antiga, e mais importante, data da Grécia e quer dizer o seguinte: tudo o que existe é feito de átomo, e quando morremos tudo acabará. A segunda, mais recente, filha da tradição sociológica, quer dizer que o mundo do pensamento, dos afetos e das instituições pode ser explicado pelas relações materiais que se tem em sociedade, tais como modos de produção, comércio, guerras, instituições, e por aí vai. Um exemplo simples disso seria: se você anda de ônibus, você ama de um jeito; se você anda de helicóptero, você ama de outro jeito. Entendeu? Amor, aqui, seria função do modo como você se desloca no mundo, que por sua vez seria função de quanta grana você tem, que por sua vez seria função do seu lugar na cadeia produtiva de bens, ou seja, você é agente ativo ou vítima passiva?
Para a maioria, ética é o campo das normas de conduta, enquanto moral é a parte da filosofia que reflete sobre hábitos e costumes. Ambas são as duas coisas ao mesmo tempo, porque faz parte da reflexão sobre hábitos e costumes pensar sobre as normas que devem regrar esses estilos de vida. E mais: não existem hábitos e costumes que não sejam permeados de normas, muitas vezes quase automáticas ou espontâneas. O que são hábitos e costumes? Generosidade, coragem, justiça, disciplina, entre outros. Para Aristóteles, os bons hábitos e costumes deveriam ser praticados a ponto de se tornarem uma segunda natureza, portanto automáticos ou espontâneos, como eu dizia acima. A escola moral mais antiga é a de Aristóteles, conhecida como moral das virtudes ou do caráter. Para ele, ao longo da vida individual e da vida coletiva dos povos, desenvolvemos hábitos e costumes que nos definem como seres morais. A questão é que esses hábitos e costumes não são tão variados assim como se pensa quando se trata do valor deles para a vida moral de uma pessoa ou grupo
O que são valores morais? Todo mundo fala, mas ninguém sabe ao certo. Uma dica: quando você ouvir alguém falando muito de valores isso, valores aquilo, cuidado! Ele vai bater sua carteira. Outro papo comum hoje sobre o tema valores é: “Ninguém hoje tem mais valores”. O interessante dessa ladainha é que, ao mesmo tempo, quem lamenta a morte dos valores é o mesmo que acha que tudo deve ser novo e dissociado do passado. Valores só existem quando existem condutas bem marcadas por expectativas sociais que herdamos para além de nossa vontade. Essa moçada pensa que valores são coisas que você escolhe como um desodorante ou uma banda de música.
Há uma novidade no mundo contemporâneo em relação ao tema da moral. Primeiro, é usar a expressão comportamento em vez de costumes ou hábitos. É mais chique falar em comportamento do que em ética. Até faz sentido, porque a palavra ética, hoje em dia, é, como a palavra energia, melhor que seja evitada porque todo mundo fala, mas ninguém sabe o que é. Há algo mais nessa ideia de marketing de comportamento. A substância da moral pública sempre foi a hipocrisia, portanto não há nada de novo em se tentar fingir virtudes que não se tem. Mas, hoje, perdeu-se essa consciência de que toda moral pública é hipócrita na sua essência, e, por isso, as pessoas que fingem ser do bem não são percebidas como hipócritas. Nunca na história da humanidade fomos tão mentirosos como hoje. A ideia de que fazer propaganda da própria possa ser levada a sério é ridícula.
Uma função que as escolas têm, mas de que ninguém precisa falar muito, é ocupar as crianças. Com o mundo contemporâneo e a atomização das famílias, ocupar o filho se tornou essencial, já que nem a mulher quer ficar tomando conta dele. O resultado é que, por exemplo, greves de professores de escolas públicas só são sentidas depois de muito tempo e quando as alternativas para as mães irem trabalhar já se esgotaram. Logo, escolas são, também, depósitos de crianças para que os pais vivam. Feio? É, sim, feio, mas Pondé ressalta não ter escrito este livro para fazer marketing de comportamento.
A economia é uma ciência triste. Experimente falar de dinheiro com sua mulher para ver como ela vai ficar triste. Sim, se uma mulher for a responsável pela grana, o marido também ficará triste se ela trouxer o tempo todo a referência do quanto as coisas custam. Não é uma questão de gênero. A economia é uma ciência triste porque é a ciência da escassez. Os recursos a nossa mão são sempre menores do que aquilo que queremos. Toda dona de casa sabe disso: o supermercado é a prova de que os recursos são caros e raros. As donas de casa deveriam decidir nossa economia.
Existe um produto na praça que afirma que há um modo de a economia ser “alegre”: trata-se da chamada economia solidária. O que vem a ser isso? Simples: é um papo de gente que não é responsável por nada na vida além de suas próprias férias e sua bike. Existe “solidariedade” em troca de apartamentos via sites especializados, por exemplo. O perfil é de gente com baixo investimento em dependentes. Difícil é ter economia solidária com seguro-saúde do filho ou compra de casa para morar. Para férias vai bem, ou partilhar uma pizza. Por que a tal da economia solidária faz tanto barulho? Porque ela alimenta, de novo, o marketing de comportamento, essa necessidade monstruosa que nós, contemporâneos, temos de achar que somos legais e melhores que as gerações passadas, e que, por nós, nunca haveria guerra no mundo e todos dividiriam suas posses. Nem mesmo dinheiro seria necessário, bastaria boa vontade.
Quando se usa a expressão contemporâneo não se quer falar de um período histórico, mas de um modo de ser, um modo de viver, ou seja, aplica-se a um conjunto de características que marcaria a nossa época, e tem mais a ver com um tipo de comportamento do que com um período de tempo específico. Por isso, pode-se dizer que um país como o Brasil tem lugares que são mais contemporâneos que outros. Uma forma fácil de entender o uso dessa expressão é ver como a utilizamos como adjetivo em alguns casos. O adjetivo contemporâneo é usado muitas vezes para um estilo de restaurante. Um restaurante contemporâneo é um lugar descolado, chique sem ser presunçoso. Não só pela comida, mas pela decoração ou cenário, e, acima de tudo, pelo tipo de pessoa que o frequenta e trabalha nele.
Perceber o mundo como cadeia alimentar é percebê-lo numa chave darwinista. Pondé diz apreciar muito o darwinismo, entre outras razões, por considerar o Alto Paleolítico, cerca de 30 mil anos atrás, o período áureo da humanidade. Éramos poucos, com uma logística leve, sem luxos e organizações políticas complexas, conhecíamos muito mais nossas necessidades, e éramos muito mais ágeis do que esses macacos que babam em cima das tecnologias da informação. E nossas crianças eram muito mais inteligentes. E nossas mulheres menos histéricas. E os homens menos mesquinhos.
Uma pessoa narcísica é uma pessoa com baixíssima autoestima. Ninguém tem uma autoestima plena. O narcísico tem menos ainda e é um miserável afetivo. O narcísico é aquele que, quando leva um fora, desmonta mais que o normal. É o chato de quem ninguém gosta porque reclama que ninguém gosta dele o tempo todo.
O eu se tornou uma das últimas utopias no mundo contemporâneo. Fracassadas as utopias institucionais históricas, o modelo hippie se fez tendência de marketing de comportamento. Modelo hippie: muito papo furado, estilo peculiar de se vestir, recusar a vida dura e ter pouco ônus nos vínculos. Uma das chaves dessa tendência é o aparelhamento do eu como saída para a vida. Se tudo é incerto, que meu eu e meu corpo se tornem meu templo. Daí a pergunta: existe um eu verdadeiro, que devemos buscar como refúgio para uma vida tomada pela contingência de tudo? Ou seja, existe um eu verdadeiro a salvo de uma vida onde nada seja garantido?
Se pensarmos no que se diz a generation me, muitos jovens têm sido educados sob o manto de que a vida dá certo e a felicidade é um direito. O fracasso e o ressentimento seguem seu curso quando a idade chega e a realidade mostra seu enorme grau de indiferença para com todos nós. Temos mais deveres do que direitos em nossa passagem por este planeta.
Outra mania do mundo contemporâneo é a história da justiça social, o que hoje é chamado de o problema da desigualdade. Só haverá igualdade social quando todos voltarem a ser pobres, como sempre fomos. Países como Suécia e afins só têm uma grande classe média rica porque o Estado distribuiu durante muito tempo a grana que ganhou fora da Suécia e, em lugares onde a desigualdade poderia existir. Veja bem: o mundo é uma merda e sempre foi. Mas o capitalismo o deixou um pouco menos pior em termos materiais, apesar de que continua em grande parte uma merda.
Nunca estivemos tão longe do valor dos idosos; ao contrário, os jovens, com sua inexperiência, arrogância e seu conhecimento de iPhone, são a referência dos mais velhos. O mais ridículo é que, ao lado da longevidade técnica alcançada, foi o apodrecimento, e não o amadurecimento, que se instalou como marca do envelhecimento no mundo. Não se amadurece, perde-se o prazo de validade, mesmo com saúde. Longevos correm o risco de um dia parecerem um bando de zumbis, sem lugar num mundo em que, ao mesmo tempo que você pode viver noventa anos com saúde, você já começa a envelhecer aos 25, desesperado por causa do colesterol, da estria e das rugas.
Uma das principais indagações acerca do futuro da felicidade humana vem do evolucionismo: será que uma espécie que não evoluiu num ambiente de felicidade como realização do desejo individual suporta essa guinada em direção ao átomo moral que é o sujeito? Nossa evolução se deu num ambiente de deveres e não de direitos. O próprio sucesso do capitalismo aconteceu graças à moral dos deveres e não dos direitos. A felicidade do indivíduo nunca foi critério para a sobrevivência da espécie. O bando original, cuja última representação é a família, também em processo de dissolução, deixou de ser a referência. A nova referência é o sujeito e seus gostos.
As provocações de Pondé são essenciais para nos fazer parar e pensar em uma série de comportamentos corriqueiros. Passamos o dia a dia sem refletir sobre questões importantes e vivemos como que em piloto automático. Em Filosofia para corajosos, o incentivo a pensarmos com nossa própria cabeça é o maior legado de um dos filósofos mais populares da atualidade.
Depois dessa aula de filosofia, leia o microbook "Diálogo de Culturas" e aprenda, com Leandro Karnal, um pouco mais sobre nosso mundo contemporâneo.
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O autor aqui é o renomado Luiz Felipe de Cerqueira e Silva Pondé. Um filósofo e escritor brasileiro, doutor em filosofia, assim como palestrante. Dotado de uma imensa bagag... (Leia mais)
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