Estrela da Vida Inteira - Resenha crítica - Manuel Bandeira
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561 leituras ·  4 avaliação média ·  104 avaliações

Estrela da Vida Inteira - resenha crítica

Estrela da Vida Inteira Resenha crítica Inicie seu teste gratuito
Ficção e Hackeando o ENEM

Este microbook é uma resenha crítica da obra: 

Disponível para: Leitura online, leitura nos nossos aplicativos móveis para iPhone/Android e envio em PDF/EPUB/MOBI para o Amazon Kindle.

ISBN: 

Editora: NOVA FRONTEIRA

Resenha crítica

Versos Escritos N'água

Os poucos versos que aí vão,

Em lugar de outros é que os ponho.

Tu que me lês, deixo ao teu sonho

Imaginar como serão.

 

Neles porás tua tristeza

Ou bem teu júbilo, e, talvez,

Lhes acharás, tu que me lês,

Alguma sombra de beleza...

 

Quem os ouviu não os amou.

Meus pobres versos comovidos!

Por isso fiquem esquecidos

Onde o mau vento os atirou.

Gesso

Esta minha estatuazinha de gesso, quando nova

- O gesso muito branco, as linhas muito puras –

Mal sugeria a imagem de vida

(Embora a figura chorasse).

Há muitos anos tenho-a comigo.

O tempo envelheceu-a, carcomeu-a, manchou-a de pátina amarelo-suja.

 

Os meus olhos, de tanto a olharem,

Impregnaram-na da minha humanidade irônica de tísico.

Um dia mão estúpida

Inadvertidamente a derrubou e partiu.

Então ajoelhei com raiva, recolhi aqueles tristes fragmentos, recompus a figurinha que

[chorava.

E o tempo sobre as feridas escureceu ainda mais o sujo mordente da pátina...

Hoje este gessozinho comercial

É tocante e vive, e me fez agora refletir

Que só é verdadeiramente vivo o que já sofreu.

Profundamente

Quando ontem adormeci

Na noite de São João

Havia alegria e rumor

Vozes cantigas e risos

Ao pé das fogueiras acesas.

 

No meio da noite despertei

Não ouvi mais vozes nem risos

Apenas balões

Passavam errantes

Silenciosamente

Apenas de vez em quando

O ruído de um bonde

Cortava o silêncio

Como um túnel.

Onde estavam os que há pouco

Dançavam

Cantavam

E riam

Ao pé das fogueiras acesas?

— Estavam todos dormindo

Estavam todos deitados

Dormindo

Profundamente.

*

Quando eu tinha seis anos

Não pude ver o fim da festa de São João

Porque adormeci.

 

Hoje não ouço mais as vozes daquele

tempo

Minha avó

Meu avô

Totônio Rodrigues

Tomásia

Rosa

Onde estão todos eles?

— Estão todos dormindo

Estão todos deitados

Dormindo

Profundamente.

Testamento

O que não tenho e desejo

É o que melhor me enriquece.

Tive uns dinheiros - perdi-os...

Tive amores - esqueci-os.

Mas no maior desespero

Rezei: ganhei essa prece.

 

Vi terras da minha terra.

Por outras terras andei.

Mas o que ficou marcado

No meu olhar fatigado,

Foram terras que inventei.

 

Gosto muito de crianças:

Não tive um filho de meu.

Um filho!... Não foi de jeito...

Mas trago dentro do peito

Meu filho que não nasceu.

 

Criou-me desde eu menino,

Para arquiteto meu pai.

Foi-se-me um dia a saúde...

Fiz-me arquiteto? Não pude!

Sou poeta menor, perdoai!

 

Não faço versos de guerra.

Não faço porque não sei.

Mas num torpedo-suicida

Darei de bom grado a vida

Na luta em que não lutei

Chama e fumo

Amor - chama e, depois, fumaça...

Medita no que vais fazer:

O fumo vem, a chama passa...

 

Gozo cruel, ventura escassa,

Dono do meu e do teu ser,

Amor - chama e, depois, fumaça...

 

Tanto ele queima! e, por desgraça,

Queimado o que melhor houver,

O fumo vem, a chama passa...

 

Paixão puríssima ou devassa,

Triste ou feliz, pena ou prazer,

Amor - chama e, depois, fumaça...

 

A cada par que a aurora enlaça,

Como é pungente o entardecer!

O fumo vem, a chama passa...

 

Antes, todo ele é gosto e graça.

Amor, fogueira linda a arder!

Amor - chama e, depois, fumaça...

 

Porquanto, mal se satisfaça,

(Como te poderei dizer?...)

O fumo vem, a chama passa...

 

A chama queima. O fumo embaça.

Tão triste que é! Mas, tem de ser...

Amor?... - chama e, depois, fumaça:

O fumo vem, a chama passa...

Vou-me embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada

Lá sou amigo do rei

Lá tenho a mulher que eu quero

Na cama que escolherei

Vou-me embora pra Pasárgada

 

Vou-me embora pra Pasárgada

Aqui eu não sou feliz

Lá a existência é uma aventura

De tal modo inconseqüente

Que Joana a Louca de Espanha

Rainha e falsa demente

Vem a ser contraparente

Da nora que nunca tive

E como farei ginástica

Andarei de bicicleta

Montarei em burro brabo

Subirei no pau-de-sebo

Tomarei banhos de mar!

E quando estiver cansado

Deito na beira do rio

Mando chamar a mãe-d'água

Pra me contar as histórias

Que no tempo de eu menino

Rosa vinha me contar

Vou-me embora pra Pasárgada

 

Em Pasárgada tem tudo

É outra civilização

Tem um processo seguro

De impedir a concepção

Tem telefone automático

Tem alcalóide à vontade

Tem prostitutas bonitas

Para a gente namorar

 

E quando eu estiver mais triste

Mas triste de não ter jeito

Quando de noite me der

Vontade de me matar

- Lá sou amigo do rei -

Terei a mulher que eu quero

Na cama que escolherei

Vou-me embora pra Pasárgada

Estrela da Manhã

Eu quero a estrela da manhã

Onde está a estrela da manhã?

Meus amigos meus inimigos

Procurem a estrela da manhã

Ela desapareceu ia nua

Desapareceu com quem?

Procurem por toda a parte

Digam que sou um homem sem orgulho

Um homem que aceita tudo

Que me importa?

Eu quero a estrela da manhã

Três dias e três noites

Fui assassino e suicida

Ladrão, pulha, falsário

Virgem mal-sexuada

Atribuladora dos aflitos

Girafa de duas cabeças

Pecai por todos pecai com todos

Pecai com os malandros

Pecai com os sargentos

Pecai com os fuzileiros navais

Pecai de todas as maneiras

Com os gregos e com os troianos

Com o padre e com o sacristão

Com o leproso de Pouso Alto

Depois comigo

Te esperarei com mafuás novenas

cavalhadas

comerei terra e direi coisas de uma ternura

tão simples

Que tu desfalecerás

Procurem por toda parte

Pura ou degradada até a última baixeza

eu quero a estrela da manhã.

Poema do beco

Que importa a paisagem, a Glória, a baía, a linha do horizonte?

- O que eu vejo é o beco.

Belo Belo

Belo belo minha bela

Tenho tudo que não quero

Não tenho nada que quero

Não quero óculos nem tosse

Nem obrigação de voto

Quero quero

Quero a solidão dos píncaros

A água da fonte escondida.

A rosa que floresceu

Sobre a escarpa inacessível

A luz da primeira estrela

Piscando no lusco-fusco

Quero quero

Quero dar a volta ao mundo

Só num navio de vela

Quero rever Pernambuco

Quero ver Bagdad e Cusco

Quero quero

Quero o moreno de Estela

Quero a brancura de Elisa

Quero a saliva de Bela

Quero as sardas de Adalgisa

Quero quero tanta coisa

Belo belo

Mas basta de lero-lero

Vida noves fora zero

Consoada

Quando a indesejada das gentes chegar

(Não sei se dura ou caroável),

Talvez eu tenha medo.

Talvez sorria, ou diga:

- Alô, iniludível!

O meu dia foi bom, pode a noite descer.

(A noite com os seus sortilégios.)

Encontrará lavrado o campo, a casa limpa, a mesa posta,

Com cada coisa em seu lugar.

Auto-retrato

Provinciano que nunca soube

Escolher bem uma gravata;

Pernambucano a quem repugna

A faca do pernambucano;

Poeta ruim que na arte da prosa

Envelheceu na infância da arte,

E até mesmo escrevendo crônicas

Ficou cronista de província;

Arquiteto falhado, músico

Falhado (engoliu um dia

Um piano, mas o teclado

Ficou de fora); sem família,

Religião ou filosofia;

Mal tendo a inquietação de espírito

Que vem do sobrenatural,

E em matéria de profissão

Um tísico profissional

Notas finais

Manuel Bandeira se destacou na poesia modernista por não ter medo de incorporar elementos “banais” em poesias significativas e muito bem construídas para expressar, por um lado, a profundidade de seu pensamento filosófico e, por outro, a dureza de sua crítica às injustiças sociais.

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Quem escreveu o livro?

Manuel Carneiro de Sousa Bandeira Filho, um crítico literário e de arte, professor de literatura, poeta e tradutor brasileiro. Um dos mais renomados ícones do modernismo no Bra... (Leia mais)

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